Institucionalização do trabalho paralelo dos militares
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Presentes os
requisitos caraterizadores do vínculo empregatício no "bico" do
policial militar, pouco importa a
relação institucional estabelecida entre a corporação e o servidor.
Ostentando sede constitucional, o princípio da liberdade do trabalho
(CFRB/88, artigo 5º, XIII) não é absoluto. Apesar de essa norma-princípio
contemplar o trabalho livre, há determinados cargos ou funções públicas que
sofrem limitações constitucionais, legais ou estatutárias, caso dos policiais
militares, cujo ofício exige exclusividadede atuação.
Por outro lado, os baixos salários pagos à polícia administrativa na
maioria dos Estados e alutuosa realidade da segurança pública no Brasil expõe
problema reflexivo em toda sociedade: o serviço paralelode integrantes da
polícia militar,a quem incumbe
zelar pela ordem publica, atuando preponderantemente em caráter
preventivo(CFRB/88, artigo 144, § 5º).
O fato não é novo, mas tem sido cada vez mais recorrente o desempenho de
um segundo trabalhopelos policiais, que, por vezes, se valem dos equipamentos
que lhe são acautelados peloestado (armas, munição, algema) para o exercitarem
a atividade conhecida como “bico”, mesmo sendo imprescindível higidez física e
mental do servidor militar na
prevenção e combate ao crime. À mingua de um salário condizente com suas
necessidades, alguns desses profissionais, com preponderância aos de baixa
patente, passam a zelar por interesses privados de empresários que pretendem
escamotear os custostrabalhistas e previdenciários do emprego formal. É claro
que ocontratante do “bico”, visando potencializar seu lucro,não está preocupado
com a privação do militar aos
momentos com a família, com o lazer, com hábitos saudáveis e com toda atividade
que restabeleça suas energias, mas tal precaução é - ou ao mesmo deveria ser -
imanente ao estado.
É compreensível que o achatado vencimento dos policiais faça com que
galguem outra atividade remunerada para incrementar o orçamento familiar. Mas,
por outro lado, não se pode conceber que a sociedade fique privada de uma
patrulha ou abordagem policial eficiente e eficaz em razão, por exemplo, da
estafa física, mental e psíquica de um policial que, mal remunerado, se priva
das horasregulares de sono ou de descanso para suprir suas necessidades
financeiras
O fato é que muitas pessoas físicas e empresas, para minimizar os altos
custos relacionados do mercado formal, contratam o policialàs vezes no espúrio
juízo de que a atividade paralela, por se informal, não gera vínculo
empregatício. Entretanto, a Súmula 386 do Tribunal Superior do Trabalho
discorre em sentido oposto,isto é, ainda que vinculado formalmente às fileiras
de sua corporação, o militarque faz o bico e, com isso, viola seu estatuto
somente fica sujeito a sanções administrativas, não existindo vedação ao
reconhecimento do vínculoempregatício, se preenchidos os requisitos estampados
no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Em virtude da reserva de
jurisdição esquadrada pelo artigo 5º, XXV,da CFRB/88, não guarda relevo ao foro
judicial trabalhista o fato de ter sido aplicada pela Polícia Militar eventual punição administrativa
pela violação do estatuto a que estão sujeitos, ou seja, presentes os
requisitos caraterizadores do vínculo celetista, pouco importa a relação
institucional estabelecida entre a Polícia e o servidor militar.
Tal quadra expõe a fragilidade do sistema, na medida em que servidores
pagos pelo estadocom os tributos do cidadão não podem se dedicar à serventia
privada de maneira absolutamente informal, arriscando a sociedade ao acasoem
razão deextenuante dupla jornada. E, pior, com a anuência expressa de seu
superior hierárquico, “o dono da boca”, tantas vezesquem arregimenta e
direcionao policial à atividade paralela, tantas vezes quem incentiva a
elaboração de arremedos normativos no sentido de regulamentar permissão dessa
natureza.
Convém projetarque solução não reside apenas emproibir a atividade
privadado militar sem
incrementar seus ganhos, pois dificilmente o policial conseguiria manter um
padrão financeiro compatível com suas demandas. E o resultado disso a história
conta:relações promíscuas com marginais, caracterizando corrupção ativa,
passiva, prevaricação e todos os reflexos negativos retratados com fidelidade
no best-seller Elite da Tropa (Editora Objetiva), livro que deu origem ao
multipremiado filme Tropa de Elite (direção: José Padilha), que expõe fatos
muito longes da ficção, infelizmente.
A oficialização do “bico” não contempla o interesse coletivo. Otimizar a
política de segurança publica perpassa pela implementação de política salarial
justa, compatível com a importância da digna atividade do policial, para, a
partir daí, exigir exclusividade de atuação do militar à corporação que serve, preservado assim a
sociedade, patrimônio maior do Estado de Direito.
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